segunda-feira, 30 de março de 2009

Alexandria tenta resgatar passado do Egito cosmopolita

Segunda-Feira, 30 de Março de 2009

Alexandria tenta resgatar passado do Egito cosmopolita

Cidade que já foi um dos centros mais importantes do mundo entrou em decadência com golpe de Nasser

Gustavo Chacra, ALEXANDRIA, EGITO

A queda do rei Farouk, em 1952, em golpe liderado por Gamal Abdel Nasser, mudou o rumo e a feição de Alexandria, até então, uma das cidades mais prósperas e cosmopolitas do Egito. Hoje, sob a mão de ferro de Hosni Mubarak, a cidade fundada três séculos antes do nascimento de Cristo por Alexandre, o Grande, apresenta os mesmos sinais do abismo social que separa ricos e pobres em todo o Egito. Mas, à sombra do passado de riqueza, tenta se reerguer.

Após a deposição da monarquia, a elite partiu. Armênios, gregos, judeus, britânicos e franceses foram para outras partes do mundo e a cidade entrou, pela segunda vez em sua história, em decadência.

A primeira tinha sido nos tempos de Cleópatra e a cidade tinha o farol, uma das sete maravilhas do mundo. Conquistada pelos romanos, deixou de ser capital para tornar-se província. Nos séculos seguintes, foi caindo no esquecimento e voltou a ter importância apenas no fim do Império Otomano.

Ao longo dos anos 60, 70 e 80, centenas de edifícios mal acabados e sem preocupação arquitetônica foram construídos em uma faixa de 20 quilômetros que se estende do centro antigo até os Jardins de Montazah, que marca os limites da cidade. As novas construções contrastam com os prédios do centro antigo, que guardam marcas de outras metrópoles mediterrâneas, como Nice, Gênova e Izmir.

Os prédios foram erguidos para abrigar os migrantes pobres de outras partes do Egito, que partiram em busca de empregos em Alexandria, onde está o mais importante porto do país. A desigualdade social, e não mais o caráter cosmopolita, tornou-se a marca da cidade, que ainda é a sede do patriarcado cristão copta.

Uma certa fleuma ainda resiste. Todos os dias, Mahmud serve cappuccino e doces aos clientes engravatados que chegam de manhã para ler o jornal e fumar. Barista há décadas do Café Brasil, ele compõe uma cena da cidade que predominava nos anos 20 e 30, quando a área da metrópole mediterrânea se restringia ao redor dos cafés e hotéis da parte antiga da orla.

Buscando levar Alexandria de volta aos tempos áureos, a cidade abriu, em 2003, uma gigantesca biblioteca de frente para o mar. É o prédio mais moderno do Egito, bem diferente dos edifícios ao redor. O objetivo da obra foi colocar Alexandria no mapa dos grandes centros do conhecimento do mundo. Afinal, a antiga biblioteca da cidade, destruída há séculos, guardava a maior quantidade de livros da Antiguidade.

A nova biblioteca está no mesmo nível das existentes nas melhores universidades americanas. Informatizada e organizada, com espaço para jovens de hijab e burca estudarem sem problemas e computadores com acesso gratuito para os universitários da cidade. Os moradores têm o direito a usar a internet por até uma hora por dia.

A principal crítica é que não tantos livros quanto se esperava. Mas se não tem tantas obras - sobre o Brasil, por exemplo, são apenas nove títulos -, Alexandria mantém o café, que ainda lembra os tempos em que o produto era a marca registrada brasileira.

O Estado de São Paulo

Um comentário:

  1. De Casablanca a Aleppo – O fim das cidades árabes cosmopolitas e o aumento da religiosidade

    por Gustavo Chacra

    15.abril.2011 10:31:11

    O aumento da religiosidade do mundo árabe mediterrâneo, adotando hábito tribais das regiões do Golfo Pérsico, começou com o fim das cidades cosmopolitas como Casablanca a Aleppo. Alexandria, com seus gregos, judeus, cristãos coptas, armênios e muçulmanos, com diversos graus de religiosidade, se transformou em uma gigantesca sucessão de prédios de uma nota só. A diversidade desapareceu.

    Podem ter erguido uma deslumbrante nova versão da nova Biblioteca de Alexandria. Mas a importância da segunda cidade do Egito está a séculos de distância da que teve quando destruíram a primeira delas. A universidade, ao lado, mesmo algumas décadas atrás, nos anos 1960 e 70, era um bastião de pensamento, onde as mulheres ainda andavam de cabelos soltos. Hoje, quase todas andam de hijab. O mesmo acontece na secular Damasco, onde as raras meninas sem o véu são cristãs. Conversem com sírios de 60, 70 anos e perguntem a eles como eram as faculdades nas suas épocas. Tentem ver fotos.

    Quem fala de Aleppo hoje? Nem em manifestações contra Bashar al Assad, esta que já foi uma das mais importantes metrópoles comerciais do mundo aparece. Mais brasileiros devem ter ouvido falar de Dubai do que de Aleppo. Algo quase inacreditável levando em conta a cultura que já foi produzida no segundo maior centro urbano da Síria.

    Tunis, que já foi Cartago, hoje não vai além de um entreposto para turistas europeus seguirem para resorts nas praias. Argel, cidade mítica para a esquerda nos anos 1960, pólo cultural quando a Argélia era francesa, hoje sequer é notada por muitas pessoas que observam o mapa. A Argélia parece ser uma nação que desapareceu, que naufragou em importância.

    Haifa talvez seja uma versão ainda forte do cosmopolitanismo do Oriente Médio, onde judeus e árabes convivem harmonicamente. Mas Tel Aviv, por sua relevância econômica, jogou a vizinha do norte para um segundo plano. Jaffa diminuiu ao ponto de se transformar em um bairro de Tel Aviv.

    Nablus, antes a grande cidade palestina, viu Ramallah roubar seu lugar. Mas sem adicionar o mesmo charme de uma metrópole secular de gerações de palestinos. Hebron, no centro da disputa entre israelenses e palestinos, é tudo menos cosmopolita.

    Beirute sobrevive como a última cidade cosmopolita árabe, com a mistura de religiões, as boas universidades, os bancos, a vida noturna. Mas um fenômeno novo começou a ocorrer desde a eclosão da Guerra Civil. Até os anos 1970, imigravam os mais pobres, do Vale do Beqa, do Monte Líbano, do sul. Hoje os libaneses perdem os seus melhores jovens, que se mudam para Dubai, Doha e Abu Dhabi em busca de melhores salários, voltando ao Líbano apenas nos fins de semana.

    Lembrem do filme Casablanca para tentar imaginar o que já foi esta cidade marroquina e o que é hoje. Nem nos roteiros turísticos para Marrakesh e Fez a incluem. O fim destas cidades cosmopolitas árabes aconteceu ao mesmo tempo em que cresceu a religiosidade.

    http://blogs.estadao.com.br/gustavo-chacra/de-casablanca-a-aleppo-o-fim-das-cidades-arabes-cosmopolitas-e-o-aumento-da-religiosidade/

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